Sunday, 31 May 2009
Carmen Souza, A Semana, Entrevista
Cantora, compositora, senhora do seu destino musical que passou por abandonar Lisboa, onde nasceu há 26 anos, e ir viver para Londres, um dos centros da música e do mundo. Filha de emigrantes cabo-verdianos, desde cedo que o crioulo das canções lhe tem pautado o ritmo da vida. Depois de “Ess é nha Cabo Verde”, regressa com “Verdade”, tão sua que não a deixa mentir. O kriolidadi apresenta-lhe a cantora luso-caboverdiana que está a começar a conquistar a Europa.
Por: Pedro Cativelos, "SemanaOnline"
asemanaonline - Fale-me desta sua “Verdade”. Como a começou a imaginar, como decorreu o processo de criação...
Cármen Souza - Toda a minha música, tal como a mensagem que eu quero transmitir, vêm de um evoluir diário, desde o contacto que tenho com os meus instrumentos musicais, como o contacto com a vida e todo os desafios que aparecem e a que me proponho todos os dias.
Por isso, não foi um acaso o facto de o álbum se chamar “Verdade”, a procura do aperfeiçoamento naquilo que faço e pela verdade daquilo que sou e das minhas origens e influências é uma tarefa feita diariamente. E é-me perfeitamente natural: quando se tem a exacta noção daquilo que queremos e principalmente do que não queremos, tudo se torna mais fácil.
Foi complicado todo o processo, da criação à gravação?O processo de gravação é sempre o expoente de todo este acumular de emoções. Tenho o privilégio de ter acesso a um estúdio próprio, e isso torna tudo mais fluído, posso gravar à hora que quero, demorar o tempo que precisar e isso é bom, porque nem sempre a inspiração aparece naquelas horas marcadas de aluguer de estúdio... Tenho também a sorte e o privilégio de trabalhar com o Theo Pascal, que tem sido um grande amigo, mentor, produtor, director musical, com quem tenho um grande à-vontade a trabalhar, e assim o processo de composição/gravação torna-se muito natural, porque a comunicação é rápida e eficaz e as letras e as notas musicais complementam-se e vão evoluindo até chegar à obra final ou peça.
Depois, passada para o público durante os concertos...A apresentação ao vivo é a fase em que me encontro neste momento, é a execução num “take” de tudo aquilo que está no disco, existe sempre a evolução em termos de arranjo, em que adicionamos outras cores, ou às vezes até tiramos cores para que a verdadeira essência de cada música transpareça, “less is more” como costumamos dizer. Mas eu sinto que a execução dos temas ao vivo, é o alicerçar e o desenvolver do tema em termos musicais e de mensagem, porque a partir dali podemos dar a cada tema uma roupagem completamente diferente. O interessante é perceber que a mensagem e os temas tocam as pessoas de maneiras completamente distintas.
Como estão a correr as coisas, neste aspecto?
As apresentações ao público têm corrido muito bem. A aceitação e o “feedback” têm sido excelentes, desde a Coreia do Sul, Inglaterra, Argélia, Irlanda, Canadá... Normalmente o que as pessoas me dizem é que gostam muito desta nova sonoridade, por ser original e fresca... e que gostam de ouvir de olhos fechados, transportando-os para Cabo Verde.
As críticas de imprensa também têm sido muito boas e encorajadoras. Tudo tem sido feito com muita calma e naturalidade, “uma casa não se faz num dia”. Por isso levo todos estes “feedbacks” como forma de crescimento e força para continuar.
Em Outubro, vou ter a oportunidade de tocar em Amesterdão e Roterdão (13 e 14 desse mês, respectivamente), que é um país onde a comunidade cabo-verdiana é muito forte, e espero poder sentir o calor de toda esta comunidade nos concertos, por isso fica já o convite a todos.
Como é a sua relação com Portugal e Cabo Verde?
Portugal é o país onde nasci e cresci, por isso tenho muitos laços não só familiares visto que a minha família está lá, muitas vezes tenho saudades do ambiente, das pessoas... Cabo Verde é o país a que sinto sempre a ligação por herança dos meus pais, pela música que me influencia, pela simplicidade, pela musicalidade do crioulo..., pelas imagens que me acompanham de todo o ambiente cabo-verdiano, a paz que me trazem essas imagens fazem-me querer lá voltar.
Londres torna a vida mais fácil, para um músico?
Eu não ando propriamente à procura de uma vida fácil, e a vida de músico, ao contrário do que muitos possam pensar, não é a vida mais fácil do mundo, porque trabalhamos muito com emoções ao mais alto nível e isso, às vezes vaza-nos um pouco. Mas Londres transporta-me para várias culturas, pela sua diversidade populacional, e transporta-me também para a cultura através da música, teatro, dança. É uma cidade que tem muita vida, e isso inspira-me, mas gosto de sentir toda essa vivacidade e depois recolher-me para a paz e o sossego.
Por isso, respondendo à pergunta, a vida de músico é facilitada devido a toda esta energia à volta da cultura, mas não é fácil a nível de mercado devido exactamente à diversidade de projectos que nascem aqui, todos os dias, e que lutam pelo seu lugar e pela exposição.
Gostaria de apresentar o seu espectáculo em Cabo Verde?
É obvio que sim, teria o maior prazer em fazê-lo. Cabo Verde faz parte de mim, faz parte da minha música. Por isso teria todo o gosto.
Como observa o aparecimento de novos nomes, como o seu, Tcheka ou o de Mayra Andrade, por exemplo, na nova música cabo-verdiana exportada para o mundo?
Eu acho que Cabo Verde e toda a sua cultura estão muito bem representados no mundo. A grande embaixatriz e responsável por isto é Cesária Évora, que levou a música cabo-verdiana pela primeira vez ao mundo. Mas esta nova geração traz frescura, traz bons compositores e músicos como Tcheka, que já tive a oportunidade de ver ao vivo, e também a Mayra, que ganhou o prémio da BBC representando a música cabo-verdiana no que de melhor tem.
E a relação desta explosão de novos nomes, com os históricos, como Cesária Évora, Bana, Titina ou Tito Paris?
Todos estes artistas históricos são a base que sempre sustentará a música cabo-verdiana, porque é a eles que todos nós, da nova geração, vamos buscar a inspiração e o autenticismo da música do nosso país.
O que é para si, a verdadeira música de Cabo Verde?
A música para ser verdadeira para os outros tem de a ser também para nós que a compomos e a tornamos viva. A verdadeira música de Cabo Verde é aquela que transporta as pessoas para o país sem elas sequer saberem onde é ou terem lá estado. A música de Cabo verde transporta o peso de toda a história e cultura, mas transporta também a simplicidade, e é memorável a capacidade de transmitir tanta história de uma maneira tão simples e tão sensível.
Qual é o seu maior sonho, de vida e de carreira?
Não me considero uma pessoa de sonhos, acho que sou mais de desafios, o meu grande desafio para o resto da minha vida, se Deus assim o permitir, é a música, que é para mim a parte mais importante, porque é através dela que me exprimo, é através dela que me sinto realizada, e sinto-me a fazer algo de bom não só para mim mas para outros, porque considero que esta é a minha missão de vida, e com ela posso ajudar outros porque a música tem o poder de curar, tocar, mover pessoas. E o que eu sinto é que quero marcar a diferença de alguma maneira, com este dom que considero divino.
Eu conheci um grande músico chamado Jay Corre, com quem tive o prazer de gravar neste álbum e me disse que, apenas, agora com 85 anos é que percebeu realmente o que é a música e o que é a vida. Por isso, sinto que a minha missão está ainda no início e tenho ainda uma vida toda pela frente...
Onde gostaria de poder chegar com a sua música?
As minhas metas são diárias, mas quero chegar ao fim dos meus dias e pensar como o Jay (que já tocou com os mais variados artistas conceituados: Ella fitzgerald, Buddy rich, já fez tours mundiais...), que mesmo quase no fim da meta ainda tenho muito para dar, ainda tenho muito para ver, descobrir...se este sentimento pela vida continuar comigo até ao resto dos meus dias, a música e o mundo estarão abertos para mim. Porque a fonte de inspiração nunca irá secar!
Pedia-lhe, algumas palavras para os leitores de A Semana.
Acho que é muito bom os cabo-verdianos espalhados pelo mundo terem acesso à informação da sua terra...por isso quero desejar muito sucesso ao A Semana. A todos os leitores desejo muita paz e sucesso para os caminhos que escolherem e que nunca percam a Verdade da sua essência.
Por: Pedro Cativelos, "SemanaOnline"
asemanaonline - Fale-me desta sua “Verdade”. Como a começou a imaginar, como decorreu o processo de criação...
Cármen Souza - Toda a minha música, tal como a mensagem que eu quero transmitir, vêm de um evoluir diário, desde o contacto que tenho com os meus instrumentos musicais, como o contacto com a vida e todo os desafios que aparecem e a que me proponho todos os dias.
Por isso, não foi um acaso o facto de o álbum se chamar “Verdade”, a procura do aperfeiçoamento naquilo que faço e pela verdade daquilo que sou e das minhas origens e influências é uma tarefa feita diariamente. E é-me perfeitamente natural: quando se tem a exacta noção daquilo que queremos e principalmente do que não queremos, tudo se torna mais fácil.
Foi complicado todo o processo, da criação à gravação?O processo de gravação é sempre o expoente de todo este acumular de emoções. Tenho o privilégio de ter acesso a um estúdio próprio, e isso torna tudo mais fluído, posso gravar à hora que quero, demorar o tempo que precisar e isso é bom, porque nem sempre a inspiração aparece naquelas horas marcadas de aluguer de estúdio... Tenho também a sorte e o privilégio de trabalhar com o Theo Pascal, que tem sido um grande amigo, mentor, produtor, director musical, com quem tenho um grande à-vontade a trabalhar, e assim o processo de composição/gravação torna-se muito natural, porque a comunicação é rápida e eficaz e as letras e as notas musicais complementam-se e vão evoluindo até chegar à obra final ou peça.
Depois, passada para o público durante os concertos...A apresentação ao vivo é a fase em que me encontro neste momento, é a execução num “take” de tudo aquilo que está no disco, existe sempre a evolução em termos de arranjo, em que adicionamos outras cores, ou às vezes até tiramos cores para que a verdadeira essência de cada música transpareça, “less is more” como costumamos dizer. Mas eu sinto que a execução dos temas ao vivo, é o alicerçar e o desenvolver do tema em termos musicais e de mensagem, porque a partir dali podemos dar a cada tema uma roupagem completamente diferente. O interessante é perceber que a mensagem e os temas tocam as pessoas de maneiras completamente distintas.
Como estão a correr as coisas, neste aspecto?
As apresentações ao público têm corrido muito bem. A aceitação e o “feedback” têm sido excelentes, desde a Coreia do Sul, Inglaterra, Argélia, Irlanda, Canadá... Normalmente o que as pessoas me dizem é que gostam muito desta nova sonoridade, por ser original e fresca... e que gostam de ouvir de olhos fechados, transportando-os para Cabo Verde.
As críticas de imprensa também têm sido muito boas e encorajadoras. Tudo tem sido feito com muita calma e naturalidade, “uma casa não se faz num dia”. Por isso levo todos estes “feedbacks” como forma de crescimento e força para continuar.
Em Outubro, vou ter a oportunidade de tocar em Amesterdão e Roterdão (13 e 14 desse mês, respectivamente), que é um país onde a comunidade cabo-verdiana é muito forte, e espero poder sentir o calor de toda esta comunidade nos concertos, por isso fica já o convite a todos.
Como é a sua relação com Portugal e Cabo Verde?
Portugal é o país onde nasci e cresci, por isso tenho muitos laços não só familiares visto que a minha família está lá, muitas vezes tenho saudades do ambiente, das pessoas... Cabo Verde é o país a que sinto sempre a ligação por herança dos meus pais, pela música que me influencia, pela simplicidade, pela musicalidade do crioulo..., pelas imagens que me acompanham de todo o ambiente cabo-verdiano, a paz que me trazem essas imagens fazem-me querer lá voltar.
Londres torna a vida mais fácil, para um músico?
Eu não ando propriamente à procura de uma vida fácil, e a vida de músico, ao contrário do que muitos possam pensar, não é a vida mais fácil do mundo, porque trabalhamos muito com emoções ao mais alto nível e isso, às vezes vaza-nos um pouco. Mas Londres transporta-me para várias culturas, pela sua diversidade populacional, e transporta-me também para a cultura através da música, teatro, dança. É uma cidade que tem muita vida, e isso inspira-me, mas gosto de sentir toda essa vivacidade e depois recolher-me para a paz e o sossego.
Por isso, respondendo à pergunta, a vida de músico é facilitada devido a toda esta energia à volta da cultura, mas não é fácil a nível de mercado devido exactamente à diversidade de projectos que nascem aqui, todos os dias, e que lutam pelo seu lugar e pela exposição.
Gostaria de apresentar o seu espectáculo em Cabo Verde?
É obvio que sim, teria o maior prazer em fazê-lo. Cabo Verde faz parte de mim, faz parte da minha música. Por isso teria todo o gosto.
Como observa o aparecimento de novos nomes, como o seu, Tcheka ou o de Mayra Andrade, por exemplo, na nova música cabo-verdiana exportada para o mundo?
Eu acho que Cabo Verde e toda a sua cultura estão muito bem representados no mundo. A grande embaixatriz e responsável por isto é Cesária Évora, que levou a música cabo-verdiana pela primeira vez ao mundo. Mas esta nova geração traz frescura, traz bons compositores e músicos como Tcheka, que já tive a oportunidade de ver ao vivo, e também a Mayra, que ganhou o prémio da BBC representando a música cabo-verdiana no que de melhor tem.
E a relação desta explosão de novos nomes, com os históricos, como Cesária Évora, Bana, Titina ou Tito Paris?
Todos estes artistas históricos são a base que sempre sustentará a música cabo-verdiana, porque é a eles que todos nós, da nova geração, vamos buscar a inspiração e o autenticismo da música do nosso país.
O que é para si, a verdadeira música de Cabo Verde?
A música para ser verdadeira para os outros tem de a ser também para nós que a compomos e a tornamos viva. A verdadeira música de Cabo Verde é aquela que transporta as pessoas para o país sem elas sequer saberem onde é ou terem lá estado. A música de Cabo verde transporta o peso de toda a história e cultura, mas transporta também a simplicidade, e é memorável a capacidade de transmitir tanta história de uma maneira tão simples e tão sensível.
Qual é o seu maior sonho, de vida e de carreira?
Não me considero uma pessoa de sonhos, acho que sou mais de desafios, o meu grande desafio para o resto da minha vida, se Deus assim o permitir, é a música, que é para mim a parte mais importante, porque é através dela que me exprimo, é através dela que me sinto realizada, e sinto-me a fazer algo de bom não só para mim mas para outros, porque considero que esta é a minha missão de vida, e com ela posso ajudar outros porque a música tem o poder de curar, tocar, mover pessoas. E o que eu sinto é que quero marcar a diferença de alguma maneira, com este dom que considero divino.
Eu conheci um grande músico chamado Jay Corre, com quem tive o prazer de gravar neste álbum e me disse que, apenas, agora com 85 anos é que percebeu realmente o que é a música e o que é a vida. Por isso, sinto que a minha missão está ainda no início e tenho ainda uma vida toda pela frente...
Onde gostaria de poder chegar com a sua música?
As minhas metas são diárias, mas quero chegar ao fim dos meus dias e pensar como o Jay (que já tocou com os mais variados artistas conceituados: Ella fitzgerald, Buddy rich, já fez tours mundiais...), que mesmo quase no fim da meta ainda tenho muito para dar, ainda tenho muito para ver, descobrir...se este sentimento pela vida continuar comigo até ao resto dos meus dias, a música e o mundo estarão abertos para mim. Porque a fonte de inspiração nunca irá secar!
Pedia-lhe, algumas palavras para os leitores de A Semana.
Acho que é muito bom os cabo-verdianos espalhados pelo mundo terem acesso à informação da sua terra...por isso quero desejar muito sucesso ao A Semana. A todos os leitores desejo muita paz e sucesso para os caminhos que escolherem e que nunca percam a Verdade da sua essência.
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